quinta-feira, 31 de outubro de 2019

MINHA RUA SÃO MIGUEL...


            

              Hoje decidi retornar o pensamento há alguns anos atrás. De fato, fazer memória lá onde tudo começou. Isso mesmo! Foi naquela pequena rua, uma das mais antigas de minha terrinha Senador Firmino, uma das que primeiro levou o progresso à nossa Conceição do Turvo, fazendo ligação para sair em Dores do Turvo. A rua mais conhecida, não tem erro para ninguém! Começa com aquele que leva a balança nas mãos, nosso querido São Miguel,símbolo do juízo final, e termina já com a condenação que é a antiga Cadeia. Por isso, Rua São Miguel, ou também conhecida como Rua da Cadeia ou da Sorveteria.
            Sei que nem todos sentirão a mesma coisa que eu sinto por ela, mas para mim contar um pouco da minha rua, antiga e sempre nova, das pedras e agora caminhando para o asfalto, é uma imensa honra, porque nesta rua passa a história de boa parte dos melhores anos de minha vida até então. Não só o espaço físico, mas principalmente pessoas, que marcaram e marcam a tão famosa Rua São Miguel. Esta rua assombrada porque abrigou, há anos, o antigo cemitério; e alegre, pois me viu crescer, me viu ir embora (este momento foi surpreendente, quando estava indo para o Seminário a rua quase toda, em frente de casa, parou para me saudar e se despedir, todos com olhos empapuçados desejando bom caminho), me vê alegrar por sempre retornar.
            Suponho que nossa rua recebe o nome e a grande proteção de São Miguel porque, conforme relatos, a antiga capela do primeiro cemitério da cidade tinha a imagem de São Miguel Arcanjo, que hoje se encontra no Santuário de Nossa Senhora da Conceição e este Cemitério era dedicado a ele. Podemos dizer que neste lugar habita sepultados alguns daqueles que foram os sustentáculos de nosso torrão. Por isso, ao passar pela Rua São Miguel lembremos que ali também começa nossa história, nunca esqueçamos de nossos antepassados firminenses. Ainda mais, a rua que dá para defronte do Santuário quer mostrar que nossa terra é sempre protegida e amparada pelo grande príncipe da Milícia Celeste, glorioso São Miguel Arcanjo, e está sob o patrocínio constante da Senhora e Virgem da Conceição, uma vez que o Santuário majestoso sempre está nos convidando à oração. Desta rua saiu em 15 de agosto de 1893, da antiga casa de Manoel Eugenio de Lacerda a procissão levando o quadro com a pintura do padre Jacinto Trombert, para homenageá-lo como benemérito sacerdote. Também de nossa rua saiu o povo em festa no ano de 1947 saudando em mutirão a posse do primeiro prefeito eleito Sogê (Geraldo de Oliveira Fernandes). Como podemos ver parte importante de nossa história passa pela Rua São Miguel.
            Com alegria e gratidão, ponho-me agora a tecer elogios aos grandes heróis que habitaram e habitam minha rua. Bem longe, ao avistá-la, já se impõe o antigo casarão onde habitou o saudoso farmacêutico Mário Bezerra e hoje mora a piedosa senhora sua esposa-viúva, dona Lurdinha. Logo ao lado, fazendo “bico” com a rua São Miguel, está a casa do grande político, homem de grande honra e história do município, o senhor Wilson Fernandes, e ao olhar para esta casa onde muitos enchem a varanda no dia 15 de agosto, não mais podemos ver aquele rosto de fé de dona Silvinha, mas que permanecerá vivo em nossa memória sempre nos chamando para as Novenas de Natal. Mais adiante, andando por nossa rua, podemos encontrar com ele sempre a caminhar e a lutar, Chico Pena, nosso amigo, homem de fé e de garra. Mais adiante ainda vem-nos à memória o Tarcísio do Correio, este já falecido e sua esposa, Maria do Telefone, ambos receberam o apelido pelos lugares onde trabalharam. Mais adiante, tio Joel d’Água, residente onde primeiro meus avós Geraldo Mariano e Maria de Paiva adquiriram, para morar mais próximos à Igreja. Depois, nunca me esquecerei da Ana do Correio, que também próximo a nós morou e hoje mora em Mercês.
Caminhando mais um pouco, encontramos tia Raquel do bolo e dos doces, que agora enfeita é vela para os sacramentos. Depois também estão eles sempre animados Pedro Nogueira e dona Marli. Ao lado está também o Gaudino, sempre na janela nos assistindo. Não podia me esquecer do tio Albertino do “Buteco” e da Fabrícia que está sempre a nos alegrar, viaja o dia inteiro no carro parado. Minha mãe, dona Isaura Mariano,sempre a andar pela rua e fazendo suas arrumações,e meu pai, Ciro Ambrósio, com seu charutão de pito. Mais adiante está Efigênia, que cuida sempre do seu quintal, e com seu jeito singelo nos acolhe com um sorriso. Andando mais um pouco lembraremos sempre das “ititas...”, Dona Quitita e Pitita, que já abrilhantaram nossa rua, e agora estão no céu. Pitita era antiga cabeleireira, possivelmente a primeira da cidade e Quitita, mulher de fé e também trabalhadeira.
Já à frente, o famoso “Escadão”, que liga São Miguel à Santa Cruz. Este nunca ninguém vai se esquecer, pois a história de Senador passa lá: são as brincadeiras e os antigos namoricos. Na sua esquina tínhamos a antiga residência das “Marques”, onde por último morou dona Nenega. Esta me encantava, aprendi a gostar da Rádio Aparecida, porque o seu rádio, às 9horas, sempre anunciava para a rua a Missa do Santuário Nacional e as vozes do Padre Vítor Coelho. Ao seu lado está minha antiga professora de Geografia, Silvinha Valente. Em frente tinha ela, Dona Josefina Benedito, antiga freira do SacreCuer de Marry, que muito me ensinou nas “Escolhinhas de Reza” que acontecia aos sábados. Não poderemos nunca esquecer que nesta rua está ele, o primeiro fotógrafo da cidade, o grande Ormeu Photos. Andando mais um pouco está Sôtero e Licinha, ali muitos passam para comprar da água ardente, ali nasceu a internet firminense Netstar. Logo após está o Tarcísio Pastor, antigo guarda do banco do Brasil, em seu antigo casarão. Ali, também tinha um consultório de ondotologia, morria de medo de passar perto. Porque, por mais que nos descem balões de mãozinhas, deve ser algum trauma de dentista. Logo em frente nunca esquecerei nossa grande mestra de fé e de singeleza do canto, dona Lúcia Benedito, que sempre me apoiou e incentivou a cantar e a rezar. Mais à frente, minha antiga professora de português, Maria José Moreira, quanta coisa me ensinou.  Também por perto está dona Fátima e o “Sô”Julim, ali ia para ensaiar os cantos para o desagravo ao Sagrado Coração de Jesus. Ao seu lado, dona Isa Carneiro, foi minha catequista. Logo em frente está nossa amiga Célia Moreira, sempre sorridente passa e logo damos altas risadas. Já encerrando nossa rua, está, quase caindo, nossa antiga “Cadeinha”, de onde meu avô foi delegado, onde por muitos anos abrigou os presidiários da região. Por fim, para concluir com chave de ouro, ainda temos o antigo prefeito com sua torre exuberante, é ele, Achiles Benedito.
            Nossa rua é assim, de heróis ao extremo, ainda pra completar temos também os que hoje desejam ser heróis para continuar abrilhantando nossa história e o futuro de nossa terra firminense e de nossa nação são eles: arquitetos, químicos, psicólogas, médica, agrônoma, motoristas, engenheiros, professora, seminarista. Quanta história ali passamos: era pique-pega, pique-esconde, queimadas até altas horas da noite, escolhinha na garagem e, para fechar a rodagem, ainda tinham as famosas “missinhas”. Minha mãe ficava doida correndo de um lado ao outro atrás da gente, brincando também; meu pai, assistindo seu jornal e sua novela, isso quando não estava na varanda a nos “bizoiar” com o charutão de papel e seu fumo de rolo. A escolhinha na garagem era uma muvuca só, mas não dava confusão. Nesta rua também sempre passava pelas manhãs nosso querido Sô Fizinho do leite, era a hora mais esperada, deixávamos os estudos para passear de charrete pela cidade.
Nossa rua vivia sempre cheia, parece que vinham crianças da cidade toda, não havia sossego. Os adultos sempre reclamavam, mas hoje é um silêncio mais pacato, só ouvindo os barulhos dos carros. Quanta falta sentirão, em tempos de tanta confusão, porque antes a alegria não dava espaço, os gritos aos extremos de nós crianças eram o grande “arco-íris” que fazia ali resplandecer. Toda noite era festa, começávamos com a queimada no meio da rua, atrapalhando até o trânsito, que na época também já não era tanto. Depois, logo passávamos aos piques, à polícia-ladrão e, muitas vezes, encerrávamos com a “missinha”. O mega-fone de tubos de linha das janelas do casario Mariano sempre anunciava morte, horários de missas, até a greve dos professores, como uma vez fui solicitado. Ah, e como se esquecer, tinha também hora cívica, canto do hino nacional e hasteamento da bandeira no 7 de setembro, além de sair dali também as famosas “bênçãos”. Nós, crianças, com as jovens de então, fazíamos a Rua São Miguel virar um verdadeiro parque de diversão.
Foi ali que amizades cresceram e se firmaram, alguns hoje distantes, mas sempre conectados por saudosa lembrança. Nunca esqueceremos nossa era sem internet, porque com isso aproveitamos para brincar, criar laços e raízes e muito mais para aprender a amar nossa história e nossa terrinha, esses são nossos grandes valores. Eh São Miguel, no quintal de dona Isaura, minha mãe, no antigo cemitério, está enterrado meu umbigo.

Wesley Pires dos Santos
2º Ano de Teologia


                                                 
Posse do 1º Prefeito Eleito, Geraldo de Oliveira Fernandes (Sogê) - Esquina da Rua São Miguel com a Praça Raimundo Carneiro - 1947


Rua São Miguel - Centro - década de 1950.

Um comentário:

  1. Ah, Wesley, q lembranças maravilhosas vc tem. Nunca esqueça de sua rua, e nem de sua terra. Bjs no coração 💕

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