É TEMPO DE RECOMEÇAR...

         

    “É tempo de recomeçar, os caminhos de Deus retornar, abrir as portas do coração, para acolher a Salvação”. É Kairós, é tempo da graça, eis o tempo favorável que o Senhor nos oferece para recomeçar novamente. Pecado, significa errar o alvo do amor primeiro que é Deus, é ele que nos tira do caminho primeiro proposto a nós por Deus, que é o da felicidade verdadeira. Neste tempo Quaresmal, somos convidados pelo próprio Senhor e conduzidos por Ele mesmo ao Deserto, como outrora experimentou o povo de Israel o encontro mais profundo e pleno consigo mesmo e com Deus. No hoje da história nós também queremos adentrar o Deserto e com Jesus experimentar a Conversão aproveitando bem este tempo de reflexão e reorganização da vida que é a Quaresma. 

    Nesse itinerário do Deserto, três passos podem nos ajudar para que posteriormente vivamos bem a Páscoa do Senhor: Parar, Olhar e Retornar. O estar no Deserto nos coloca diante de nós mesmos e de Deus. É um processo de autoconhecimento para percebermos aquilo que nós perdemos e que é essencial em nosso ser. Para retomar o sentido da vida o povo de Israel que outrora era escravo no Egito teve que estar a sós com o próprio Deus e se acostumar a viver novamente na Liberdade. O pecado também faz isso conosco, ele nos corrói por dentro e sem percebermos já nos tornamos escravos de nós mesmos e dos outros, escravos de nossas paixões desordenadas. Ao pararmos e nos colocarmos em marcha pelo Deserto vamos redescobrindo aquilo que de fato é nossa essência e que faz sentido em nossa vida. Com isso, poderemos reordenar nossos afetos, nossos sentimentos que parecem um tanto confusos e reordenar nossa própria vida. 

    Diante de um mundo conturbado, cheio de agitação, no corre-corre do dia-a-dia, em tantas tarefas de trabalhos e estudos, podemos pensar que tudo vai bem e que estamos buscando o melhor para nós mesmos e nossa família. O salário vai bem, não falta nada que é necessário a subsistência, as notas do currículo estão boas, o desempenho no emprego vai bem. No entanto, o interior vai mal, procuro sentido para isso tudo e não encontro. Quantos vivem nunca angustia profunda porque perdeu o rumo da vida. E quantos vivem como a música diz: “Deixa a vida me levar, vida leva eu...” Diante da falta de sentido, do isolamento, da tristeza, o que fazer? Eis o grande convite de sabedoria que a Igreja nos faz neste tempo Quaresmal. Pare! Olhe! Retorne! 

    Pare, e repense a sua vida e sua história, sinta o sabor de Deus nas pequenas coisas da sua vida. Lembre-se que és pó e ao pó há de voltar. Por isso, o que fazemos neste mundo? Para que estou aqui? Nossa vida só faz sentido se conseguirmos perceber nas pequenas coisas e até mesmo no silêncio a presença de um Deus que é Amor e nos convida ao Amor. Pare e repense a sua caminhada existencial. Quando paramos no Deserto e deixamos calar nossa palavra e a palavra do mundo, somos capazes de ouvir a Palavra de Deus que nos convida a retomar o caminho de outra forma. Convida-nos a deixar tudo que é exterioridade e superficialidade, para adentrarmos no mais profundo do nosso ser, e ao encontrarmos com Cristo nos tornamos novas criaturas pela graça. Assim, ao descermos do Monte (Tempo do Deserto-Quaresma), poderemos retomar o caminho de forma diferente.  Dessa vez, para vivermos nossa Páscoa rumo à verdadeira Liberdade que o mundo não nos pode oferecer.

    O caminho Quaresmal será bem feito se ao pararmos também conseguirmos contemplar nossa vida, nossa história e nossa existência com o olhar do próprio Cristo, sem perder de vista a sua entrega por nós na Cruz. O Amor que se doa a nós para podermos também nos doar aos irmãos. Eis o grande alvo que nunca podemos perder de vista. Porque se o olhar se mantém fixo em Jesus não seremos suscetíveis ao pecado e venceremos as tentações. Porque ao olharmos o Cristo contemplaremos aquilo que Deus mesmo sonhou para nós.

    Ao vislumbrarmos este grande amor poderemos retornar ao primeiro amor. Descobriremos que Deus nos chamou a este mundo com uma Missão e que Ele nunca desiste de nós porque nos ama e é justamente a este amor que devemos nos prender para ter vida nova e contemplarmos o homem novo que deseja renascer em nós a partir deste tempo de graça. Já dizia Divo Barsotti que “escolhendo Deus só, escolhe de fato cada coisa: a criação não faz número com Deus, mas já existe em Deus toda a luz de verdade, toda riqueza do bem, toda beleza, toda vida”. As práticas quaresmais do Jejum, da Esmola e da Oração nos ajuda a parar, olhar e retornar o que de fato é essencial na nossa vida. O Jejum nos ajuda a olhar nós mesmos e perceber que não precisamos de muito para viver bem. A Esmola nos ajuda a despreendermos de nós mesmos e a partilhar com os que não têm quase nada. A Oração nos ajuda a nos apossarmos unicamente de Deus e do seu Amor. 

Ao voltarmos para o Amor de Deus poderemos também amar de fato os que estão a nossa volta, não amaremos com interesse, ou como objeto a ser desejado e possuído, mas amaremos como Deus ama. Eis o grande convite do Bom Samaritano a todos nós, proposta da Campanha da Fraternidade deste ano. Ao parar e olhar, o Samaritano retorna tendo experimentado o que era essencial para sua vida. Amou o homem caído e ferido como Deus nos ama. “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”. Sentiu co-responsável pela vida do outro, porque sabia que a vida era dom e compromisso e que a santidade acontece com o outro. Estamos nesse mundo como peregrinos e se não formos para fazer a diferença no amor de nada adiantará nossa vida.

É tempo de recomeçar... Deus acredita em nós e em cada manhã quer fazer de nós pessoas novas. Thomas Merton vai dizer que da transição da madrugada para o dia que amanhece há um ponto virgem na obra da criação, um silêncio profundo que recria novamente, é a Ressurreição diária acontecendo. É nova oportunidade para todos nós. Nesse momento é Deus que toca novamente a criação, Ele se humaniza novamente para divinizar o homem. Quando descobrimos isso, temos a certeza que o cristão deve ser no mundo a pessoa que vive e anuncia a esperança e a alegria por um mundo novo que pode acontecer a partir de nossas pequenas atitudes de transformação.  Que Deus nos ajude a viver bem este período Quaresmal, este tempo de graça rumo a Páscoa de Cristo e a recomeçar o caminho de Conversão, que não se faz da noite para o dia, mas é processual. 

Wesley Pires dos Santos

Seminarista da Arquidiocese de Mariana